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terça-feira, 17 de abril de 2012

eisFluências de Abril de 2012


Caminho das pedras
por Abilio Pacheco

Essa é uma expressão muito comum em se tratando de dar dicas para quem quer se tornar um escritor (literário) ou para quem quer seguir uma profissão que exige algo mais que a técnica. Já é mais do que óbvio, posto já ser deveras repetido, que para se tornar um bom escritor, o ideal é ler, ler bastante. Acrescento ainda que o ideal é ler bastante do gênero de texto que você pretende escrever. Para ser um bom poeta, leia bons poetas. Para ser um bom romancista, leia os bons romancistas.
No finzinho da adolescência, fui cheio de espinhas, empacotado num macacão do SENAI até o campus da Universidade Federal do Pará em Marabá procurar um professor de Literatura para ele me sugerir algum livro (teórico – acho que eu queria um manual ou algo assim) que me ensinasse a escrever poesia. O professor Gilson Penalva, que mais tarde de seria meu orientador de monitoria, exatamente da disciplina Teoria Literária, desconversou, disse-me da inutilidade que seria a teoria, que não haveria material didatizado sobre o assunto e, como eu insisti, terminou me encaminhando para um outro profissional do magistério. Sugeriu que eu fosse falar com uma professora do ensino médio de uma escola estadual.
Ora, eu não sou metade do que o Gilson era já naquela época, mas me mostro, além de professor de literatura, escritor. Talvez por isso vez por outra alguém vem me perguntar o tal caminho das pedras, como se eu realmente o soubesse ou já tivesse trilhado por ele. Já disse que o ideal é ler bastante do gênero que você quer aprender, ou se dedicar, mas acredito que os relatos dos autores sobre a produção de seus romances também são bons passos entre penedos. Não exatamente as autobiografias ou memórias, embora alguns capítulos catando entre banalidades seja possível encontrar algo proveitoso, como o capítulo 4 do livro O texto, ou: a vida – uma trajetória literária[1], de Moacyr Scliar.



Aliás, o capítulo todo não, somente a partir da página 124. O livro de Moacyr Scliar, como bem diz o subtítulo, não é uma biografia, mas sim um memorial em que relata de sua trajetória de vida no que se refere à atividade de escritor.  Algo parecido com o que fez Manuel Bandeira em seu Itinerário de Pasárgada (aos que querem trilhar o caminho das pedras da poesia sugiro este e também Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke).
Aos leitores que desejam ser romancistas seguem as sugestões que longe de serem dicas, mas parecem um roteiro de leituras a obedecer praticamente em ordem didática. Comecem por dois textos de romancistas brasileiros do século XIX: Como e porque sou romancista[2], de José de Alencar, e Instinto de Nacionalidade[3], de Machado de Assis. O texto de Alencar reforça a minha afirmação sobre a importância do contato com o gênero ao qual se quer dedicar o jovem escritor. Alencar era o leitor da casa quando no “horário nobre” não havia televisão; na época, sentava-se a ouvir a leitura das novelas e romances de folhetim, principalmente de autores franceses e ingleses. E “foi essa leitura contínua e repetida de novelas e romances que primeiro imprimiu em meu espírito a tendência para essa forma literária que é entre todas a de minha predileção?”, Alencar se pergunta meio que afirmando. Já o texto de Machado de Assis serve principalmente para neófitos que moram regiões não hegemônicas, como os meus autores “patrícios” da Amazônia, e mais ainda da Amazônia Paraense (existe isso?), que querem porque querem escrever sobre... a Amazônia. Uma vontade imperiosa de cantar, escrever, elogiar, fotografar, registrar, divulgar o torrão natal. Deve-se – creio eu – cantar os dramas humanos que acontecem em qualquer lugares ou época. O romancista deve se preocupar também com a boa urdidura da trama, com a construção dos personagens, com os efeitos causados pelo narrador. Descrições quase sem fim são descartáveis e o espaço na maioria das vezes um mero complemento.
Ainda na literatura brasileira sugiro a leitura do romance O risco do bordado, de Autran Dourado, e o livro Uma poética de romance, do mesmo autor


[1] André Luis Mansur publicou uma boa crítica/resenha/comentário a este livro: [http://criticasmansur.blogspot.com/2010/05/o-texto-ou-vida-de-moacyr-scliar_7644.html]
[2] O download dessa obra pode ser feito em: [http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000311.pdf]
[3] O download pode ser feito em: [http://www.ufrgs.br/cdrom/assis/massis.pdf]